Ao usar “não-monogamia” como palavra guarda-chuva, estamos definindo nossos movimentos e propostas com base na negação da monogamia.

O que realmente faz da monogamia a monogamia, um dos principais ingredientes que torna a ideologia monogâmica um problema que precisa ser questionado e combatido, não é o número de pessoas envolvidas, mas o ideal de exclusividade. É dele que surgem a maioria dos outros problemas.

A quantidade de pessoas não diz nada

Se a não-monogamia é a negação da Monogamia, ao analisarmos as crenças e ideais das pessoas envolvidas em relacionamentos a três ou mais, poderemos observar que na realidade elas podem ter uma mentalidade monogâmica e seus relacionamentos podem ser regidos pelos mesmos ideais de poder, possessividade e exclusividade de qualquer outro relacionamento monogâmico, apenas muda a quantidade de pessoas envolvidas.

É comum em entrevistas trisais falarem que fazem tudo a três e alguns abrem uma exceção pra sexo a 2 se uma das pessoas não estiver presente, por exemplo. Também é comum pessoas em relacionamentos abertos terem regras do tipo “não pode se apaixonar” ou “não pode repetir a mesma pessoa”. O Fred Nicácio dessa edição do BBB e o namorado não podem namorar outras pessoas. Além disso, existem os trisais fechados (a tal da polifidelidade, que, aliás, enxergam fidelidade exatamente da mesma forma que pessoas monogâmica: fidelidade = exclusividade sexual.) No próprio Poliamor – seja hierárquico ou não-hierarquico – a liberdade de se envolver com terceiros não é inata; ela é concedida. Ou seja, as pessoas em relacionamentos poliamorosos precisam da permissão umas das outras pra se envolver com novas pessoas. A única vertente do Poliamor que foge disso é o solopoly.

Em todos esses casos o sentimento de posse e poder sobre as pessoas é visto como natural. Mesmo em um relacionamento a três as pessoas acreditam que tem um certo nível de autoridade sobre a vida sexual umas das outras e o direito de conceder liberdade dentro de seja lá quais forem os critérios e condições.

Essas são pessoas que se consideram não-mono mas reproduzem tudo aquilo que elas criticam na Monogamia.

Se rotular não-mono também não diz muita coisa

Diante de uma falta de conceitualização sobre o que é a não-monogamia, alguém dizer que é não-monogâmico também perde o sentido – pode ser que mesmo se rotulando desta forma, a pessoa se comporte totalmente de forma monogâmica. Por isso acredito que seja mais sensato usar como critério o conjunto de valores e ideais que que as pessoas possuem, porque eles são observáveis na forma como elas vivem suas relações.

Não me importa uma pessoa se intitular não-mono e justificar dizendo que tem vários vínculos ou que faz parte de um trisal. O que me interessa é saber quais são suas ideias e posicionamentos sobre exclusividade, competitividade, possessividade, comprometimento/cuidado, estruturas de poder e privilégio, autoridade, autonomia, reconhecimento/valor que é dado aos relacionamentos em geral, e tantas outras coisas que me permitem descobrir se ela possui valores e ideias monogâmicos ou não-monos.

Enquanto a maioria dos discursos não-monogâmicos seguirem o caminho do Poliamor, mudando apenas a quantidade de pessoas sem identificar ou questionar os problemas mais subjacentes (os ideais e as crenças), se dizer não-monogâmico não vai significar muita coisa. Afinal, não-monogamia não é uma identidade e sim uma prática.

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