Primeiramente, senta que la vem textão! Segundamente, não espere que este manual para a não-monogamia seja de muita ajuda — cada relacionamento é diferente, e não há nenhum sistema garantido para fazer qualquer relacionamento “funcionar”. Além disso, ser não-monogâmico é jogar o protocolo fora, não tentar fazer com que as relações “funcionem” segundo algum padrão, É aceitá-las como são e aceitar que elas mudam. Entretanto, não se pode negar que algumas abordagens e comportamentos tendem a resultar em uma dinâmica saudável, e outros não; e como a maioria de nós não cresceu com exemplos de relacionamentos não-monogâmicos para aprender, quanto mais discutirmos e compararmos nossas experiências, mais bem equipados estaremos para mapear juntos esse território desconhecido. 

Livrar-se da programação convencional de união de casais é o primeiro passo.

INSTRUÇÕES

Ser Honesto num Mundo Desonesto

A primeira coisa a enfatizar é que a não-monogamia não é uma ferramenta pra evitar a necessidade de honestidade em um relacionamento. Na verdade, é uma forma de promover a honestidade. A monogamia como instituição em uma cultura restritiva, desencoraja a honestidade ao punir quaisquer desejos ou verdades que estejam fora do modelo romântico tradicional.

A não-monogamia pretende abrir um espaço no qual a honestidade seja possível, mas também depende da honestidade para tornar esse espaço possível.

Você não precisa estabelecer uma nova regra que dita que todos os afetos devem compartilhar tudo um com o outro, detalhe por detalhe; mas compartilhe tudo o que concordar em compartilhar e cuide daquilo que você precisa também, incluindo o que você precisa para ter certeza de que será capaz de ser honesto. Toda a ideia de estar se relacionando sem tentar impor um modelo às suas relações é pra ser capaz de ser o que você é, sem mentiras, culpa ou dissimulação. Ao mesmo tempo, muitos de nós que crescemos dentro do modelo da monogamia ainda mantemos todos os maus hábitos que aprendemos com ele: desonestidade, vergonha, evitação, medo. Mesmo quando estamos em um relacionamento que oferece espaço para nossos “desejos perigosos”, tendemos a destruir esse espaço por não confiar nele e, assim, perder a confiança que o sustenta. Esforce-se para praticar honestidade sempre. Se você não consegue ser honesto, tente trabalhar nisso antes de se envolver profundamente com outras pessoas. 

Ninguém deve se envolver com alguém em quem não se possa confiar para compartilhar verdades importantes — especialmente as assustadoras.

Estabelecendo Expectativas

Verifique no início de qualquer relacionamento ou interação nova quais são suas necessidades e expectativas individuais e níveis de conforto, e certifique-se de que vocês cheguem a um entendimento comum antes de prosseguir. Isso vai economizar muitas dores de cabeça mais tarde! Se suas necessidades mudarem ou você se sentir diferente do que esperava em uma situação, não tem porque sentir culpa — mas seria legal informar a outra pessoa. Na verdade, você provavelmente deveria checar com seus afetos ocasionalmente, apenas para ter certeza de que sentimentos não mudaram sem que eles reconheçam ou articulem isso.

Ouça atentamente quando os outros falarem sobre suas necessidades e limites — eles estão lhe fazendo um favor sendo francos com você. Talvez as diferenças no desejam signifique que vocês não podem se envolver de certas maneiras, pelo menos por enquanto. Isso ainda é melhor do que lutar para fazer o outro mudar ou negar suas necessidades um pelo outro.

Os termos em que seu relacionamento começa provavelmente definirão o tom que ele terá por um longo tempo. afetos que começam com uma filosofia não-monogâmica compartilhada e estabelecem confiança um no outro com sucesso provavelmente terão mais facilidade em manter um relacionamento não-monogâmico saudável pelo tempo que ambos desejarem. Afetos que iniciam uma relação monogâmica e decidem mudar a estrutura para a não-monogâmica, porém, podem encontrar dificuldades, pois suas expectativas e formas de se sentirem seguros e amados podem já estar atreladas à questão da exclusividade. Agora, se você realmente quer DESTRUIR um relacionamento, comece numa estrutura monogâmica (ou simplesmente deixe rolar, para que as suposições possam se desenvolver sem serem verificadas pela realidade), então transe com outra pessoa e depois diga ao seu afeto que você quer ser não-monogâmico; para a destruição máxima, nem mesmo confidencie que você está se envolvendo com outra pessoa — espere apenas ser descoberto. 

Obviamente, essa não é a maneira de ter um caso de amor saudável!

Lidando com Ciúmes

Nesta sociedade, estamos constantemente sendo levados a sentir que estamos competindo, então nos sentimos ameaçados pelos outros. A não-monogamia saudável deve refutar esse condicionamento, não reforçá-lo. Deixe claro, tanto em ações quanto em palavras, que seu relacionamento com cada pessoa depende apenas de si mesmo, não da maneira como se compara a outros relacionamentos. Você não está procurando a pessoa perfeita, pegando e descartando os outros enquanto procura a mercadoria final no mercado de parceiros. Você está cultivando relacionamentos ​​com pessoas que você gosta e trata com respeito e apoia os projetos de vida uns dos outros. Os afetos, em tal cenário, não devem ter mais motivo para temer ou ter ciúme um do outro do que os amigos.

Na verdade, uma boa prática pra desenvolver na não-monogamia é promover em seus relacionamentos amorosos as qualidades que fazem suas amizades funcionarem, ou, melhor ainda, distorcer as linhas entre os dois!

Como você cresceu nesta sociedade, haverá situações em que o ciúme se fará presente. Há muitas coisas que você pode fazer quando sentir ciúmes: primeiro, tente separar e identificar seus diferentes sentimentos, para que você saiba a que está reagindo. A causa mais prevalente do ciúme é a insegurança e para estar em qualquer relacionamento bem-sucedido, você precisa ter os pés no chão, se sentir bem consigo e ter um senso de seu próprio valor. Nesse sentido, levar uma vida que ajude a respeitar a si é praticamente um pré-requisito para qualquer intimidade com os outros. Ao mesmo tempo, você deve ser capaz de pedir garantias ao seu afeto sempre que precisar — é muito melhor falar quando precisar do que se conter para não “colocar pressão” e acabar implodindo mais tarde.

Amar a si tornará muito mais fácil acreditar nas outras pessoas quando elas tentam te assegurar do mesmo.

Insegurança Também é uma Realidade

A insegurança pode se manifestar na projeção: pode ser fácil imaginar que o metamour do seu afeto é absolutamente perfeito. Tente obter alguma perspectiva; pode ser que você passe mais tempo pensando no metamour do que na pessoa que está contigo. Spoiler: ninguém é perfeito

Além do mais, estando em um relacionamento não-monogâmico, você tem menos a temer do que estando em um relacionamento monogâmico: seu afeto pode ter experiências com outras pessoas e desfrutar de estar com elas sem sentir que deve deixar você. Fora do paradigma do casal, ninguém pode roubar ninguém de você — até que ponto você é bom para uma pessoa determina o quanto ela ficará contigo. Se você tem um amor forte, nenhuma aventura ou flerte pode colocá-lo em perigo. A única coisa que determina o fim de um relacionamento, é o próprio relacionamento.

A insegurança pode não ser a única coisa que você está sentindo. Você também pode julgar seu afeto — pode ficar desapontado por ele se sentir atraído por alguém que você considera indigno ou pode se sentir protetor por motivos semelhantes. De qualquer forma, você tem que confiar que seu afeto sabe o que é bom para si — não há como evitar isso. Seu parceiro provavelmente sabe do que ele precisa muito melhor do que você, e a decisão não é sua, de qualquer maneira.

O ciúme também pode advir de sentimentos de competitividade, especialmente com membros do mesmo sexo — esses sentimentos são estimulados nesta sociedade e muitas vezes servem para nos isolar. Mais uma vez, espero que você veja que quem quer que seja que seu afeto confie é digno de respeito. Ser capaz de ver os metamour do seu afeto como amigos ou pelo menos aliados pode ser revolucionário em uma sociedade que faz a gente se voltar uns contra os outros por causa de romance.

Também pode ser que o seu ciúme seja causado por instabilidades ou incongruências no próprio relacionamento que talvez precisem ser resolvidas. O ciúme nem sempre é um sentimento meramente irracional e destrutivo; frequentemente, pode ser um medidor útil para avaliar o que está acontecendo dentro e entre as pessoas.

Quando você estiver com ciúme e insegurança, pode ser útil lembrar que o grau de liberdade que seu afeto possui também se estende a você. Se você não gostaria de ter sua autonomia restrita, fique feliz por vocês dois não estarem restringindo um ao outro. Se você teve relacionamentos ou sentiu atração por outras pessoas além de seu afeto, pondere essas experiências para ter uma perspectiva sobre o que seu afeto pode estar sentindo; se esses flertes não diminuíram a importância do seu afeto para você, eles provavelmente não ficarão entre vocês também.

Quando seu afeto estiver com ciúmes, tente não cair no cenário padrão de acusações, negações, ataques, defesas, suspeitas, recriminações, etc. Dê um passo para trás e certifique-se de que está claro o quão importante seu afeto é para você; enfatize que nenhuma outra atração ou relacionamento pode ameaçar aquele que vocês compartilham. (Por outro lado, é claro, nunca diga isso se não for verdade!) Se os termos do relacionamento ou suas expectativas mútuas tiverem que ser conversados, não adie ou contorne o problema.

Na pior das situações: você está envolvido com duas pessoas, e elas têm uma aversão intensa uma pela outra! Isso pode ser muito desagradável para todos. No entanto, ainda existem algumas coisas que você pode fazer para manter as coisas o mais tranquilas possível. Não tome partido — recuse-se a sentar-se como um juiz enquanto um tenta convencê-lo da transgressão do outro. Tenha suas próprias opiniões sobre como eles estão se comportando, é claro, mas enfatize que você não está interessado em ser persuadido a ser partidário. Enfatize para ambos que eles são importantes para você — deixe claro que não haverá escolha de um em detrimento do outro, e que se um dos relacionamentos terminar, será devido a fatores internos a ele, não externos. Incentive os dois a resolverem as coisas como adultos, se possível. Não sirva de pombo-correio entre entre eles. Definitivamente, não se deixe tomar decisões para apaziguar qualquer um deles, mesmo que inconscientemente.

Resistindo a Hierarquias

Você deve ter ouvido falar do modelo do “parceiro primário”, um dos esquemas comuns no poliamor e relacionamento aberto. Alguns acham que esses esquemas sugerem hierarquia ou protocolo. Por isso, eles sustentam que cada um deve ser seu próprio parceiro primário e se esforçarem para se comprometerem com todos os parceiros com quem compartilham a vida, sejam quais forem os papéis que desempenhem. Na verdade, arriscamos muito não permitindo que essas funções sejam fluidas o suficiente para acomodar todas as mudanças pelas quais os relacionamentos, necessidades e expectativas estão sempre passando. É importante que as pessoas em um relacionamento saibam o que esperar umas das outras, mas títulos formais não devem ser necessários para isso.

Falando em hierarquia de parceiros, outro comportamento remanescente que você pode ter carregado do gueto da monogamia é a tendência de tratar afetos além de seu “parceiro primário” com menos respeito ou sensibilidade. Isso é algo que as pessoas, especialmente os homens, fazem ao trair em relacionamentos monogâmicos: motivados pela culpa, maltratam a amante, como se para mostrar que, embora estejam traindo a parceira, ainda a valorizam acima de todas as outras. Na não-monogamia todos os relacionamentos devem ser tratados com respeito: todas as plantas e animais em um ecossistema são igualmente importantes, independentemente de quão grande ou pequeno seja o papel que desempenham.

Conclusão

Ninguém deve pressionar os outros em um modelo de relacionamento com o qual eles não se sintam confortáveis. Isso só pode deixar ambas as partes infelizes. Ao mesmo tempo, você não está forçando os outros a nada ao tomar suas próprias decisões sobre o que é certo para você. Tome suas decisões, deixe que as outras pessoas tomem as delas e onde há um consenso, vocês poderão se encontrar. Idealmente, cada casal deve ter a mesma ideia do que eles querem que seja o relacionamento; realisticamente, as pessoas acabam tendo que fazer concessões — apenas tente se certificar de que são compromissos mutuamente benéficos. Mais uma vez, não existe um modelo perfeito: cada casal, trisal e comunidade deve descobrir por si mesmo como se dar bem e ser felizes juntos. O que funciona para um pode não funcionar para outro — pode nem mesmo ser saudável ou sensato para outro.

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