Nos anos em que estive em relacionamentos não-monogâmicos aprendi, através de lágrimas e ansiedade, algumas lições importantes. Entre outras coisas, aprendi que a masculinidade é um fator importante que desempenha um papel fundamental em muitas das maneiras como nos relacionamos uns com os outros e que, se não tivermos consciência disso, teremos um convidado indesejado em nossas relações jogando contra nós.
O que a orientação relacional tem a ver com o gênero?
Quando passamos por relações dissidentes multiplicamos fatores que colocam em risco nossa situação relacional ou emocional. Neste sentido, compreender os encargos e colocá-los sobre a mesa não nos ajudará a evitar conflitos, mas nos permitirá estar mais conscientes dos laços e de seus cuidados.
Lições de masculinidade e não-monogamia
Uma das primeiras coisas que aprendi foi que tinha que dar importância à forma como me entendia emocionalmente. Um dos principais problemas que nós homens temos é que fomos desligados de nossas emoções por uma educação masculina. Nem sempre se trata de escondê-las ou de não saber como comunicá-las. Tradicionalmente, a masculinidade nos desconectou dos sentimentos. Nosso mundo é um mundo racional, o mundo emocional e solidário é feminino, portanto não tivemos a necessidade de desenvolver ferramentas neste sentido (especialmente se sempre tivemos mulheres ao nosso redor para cuidar da gente). Muitas vezes não sabemos o que sentimos, não sabemos identificar ou nos conectar com os sentimentos.
O papel dos ciúmes na masculinidade
A desconexão com nossos sentimentos pode nos levar a sucumbir às emoções que vêm do ciúme (um conjunto muito amplo de fricções emocionais que podem vir do medo de abandono, de ser substituído, das coisas mudarem, de não serem suficientes, da falta de cuidados, etc.). Se não soubermos identificar quais emoções estamos experimentando e o que precisamos, o prognóstico é terrível.
Outra coisa importante que eu aprendi tem a ver com a anterior. Em mais de uma ocasião, diante da dor e do medo, agi defensivamente, apontando dedos e falando merda pra outra pessoa. “Você fez isso”, “você não se importa comigo”, “se você tivesse dito” … Isso, ou coisas muito piores….
Quando me toquei (graças também ao apoio e ao trabalho de grandes mulheres ao meu redor e ao ativismo feminista que colocou estas coisas na mesa), pude entender que durante muito tempo eu estava responsabilizando os outros pela minha vida emocional. Diante de inseguranças, medos ou ansiedade, é mais fácil tentar modificar os comportamentos dos outros do que enfrentar a emoção.
As dificuldades da responsabilidade afetiva
Responsabilidade afetiva aqui significa ser capaz de responder pelo que sentimos e fazemos. Expressar vulnerabilidade a fim de comunicar necessidades. E não podemos ser responsáveis se não soubermos o que sentimos ou se culpamos os outros por isso.
Mas cuidado! Até aqui há riscos. Não é raro ver pessoas que aprenderam a identificar emoções, comunicar necessidades e mostrar vulnerabilidade com um foco egocêntrico, centrado em si mesmas e empunhando (sim, verbo de guerra) esta vulnerabilidade como arma. Entendo que é fácil, quando aprendemos a identificar o desconforto e os danos, concentrar-nos tanto neles que perdemos de vista o resto. Penso que é um grande desafio poder superar esta posição de vítima e avançar em direção a uma responsabilidade empática, onde possamos colocar nossas necessidades como um fator importante, mas sem fazer dele um sol em torno do qual tudo o mais tem que girar.
A pessoa na nossa frente também tem suas merdas, e é legal poder ouvi-las, valorizar sua experiência e encontrar o meio-termo.
Estas são algumas das muitas lições que pude aprender sobre masculinidades e não-monogamia. Honestamente, me abrir a relações não convencionais foi um ponto de inflexão em muitas maneiras de pensar e me compreender.
Assim, posso considerar que a não-monogamia em sua diversidade pode ser um importante fator de mudança nos processos de aprendizagem sobre gênero. Não é em vão que autores como Raewyn Connell falam de sistemas de gênero baseados em quatro pilares: relações de poder, relações de trabalho, relações culturais e relações de desejo e sexualidade.
Desafios: sem garantia de 100%
Entretanto, acredito que embora a não-monogamia seja uma oportunidade de mudança para os homens, ela não é uma garantia. A Dra. Elisabeth Sheff, especialista em Poliamor e autoridade em ética e relacionamentos, fala sobre como existem importantes mudanças nas concepções de gênero na experiência não-monogâmica: o questionamento do senso de propriedade do parceiro, a necessidade de reeducar a noção de substituição e competição, a entrada no mundo emocional dos homens que precisam trabalhar em si mesmos, o questionamento do ciúme e possessividade como “prova de amor” ou o repensar do papel do sexo em nossas vidas.
Mas, como eu disse, só porque é uma oportunidade não significa que seja uma garantia. Há cargas pesadas em nossa criação masculina. Mais especificamente, podemos falar de três aspectos diferentes:
Três consequencias da educação masculina:
No nível social, a competição entre os homens pode ocorrer em termos muito complexos. Embora seja possível aproveitar a situação para repensar o outro (“metamor” é o termo que eles usam no mundo poliamoroso), não para vê-lo como um inimigo, mas como um amigo, para reconfigurar a intimidade com outro homem, etc.
Se, por outro lado, o medo de abandono ou substituição continua a operar, é fácil para nós competir com outros homens pela centralidade de nossa posição (especialmente nas relações hetero). Ou é possível até mesmo que, em situações de medo e insegurança, possamos recorrer a mecanismos hierárquicos que nos devolvam o poder na relação: exigências, direitos de veto, etc.
No plano emocional, podemos estar abusando desta posição para nos vitimizar, para lucrar com isso (manipular com nosso desconforto), para restabelecer relações de poder na relação ou para fazer com que outros se encarreguem de nossas emoções.
A nível sexual, no mundo da não-monogamia, uma lógica de hipersexualização masculina pode continuar a funcionar. A sexualidade tem sido historicamente uma forma dos homens se validarem como tais: sendo sexualmente bem sucedidos, demonstramos nossa virilidade e, portanto, nosso valor e status. Isto pode ainda estar intacto em certos contextos não-monogâmicos, onde a centralidade do sexo pode estar reproduzindo a lógica de que um homem vale a pena quando ele fode. Se acrescentarmos a isto o fato de que os limites éticos da monogamia não estão mais em vigor, um homem pode facilmente ser arrastado para a dinâmica do consumo de corpos, a fim de validar-se como homem.
Como podemos ver, a não-monogamia pode ser um fator importante para a mudança. Vi mudanças em minha vida que eu não esperava: melhorias na forma de me comunicar, identificar emoções, ouvir e colocar os problemas de outras pessoas no centro. A não-monogamia melhorou minha empatia e me levou a subverter a distribuição hegemônica de tempo, energia e importância. Isso me permitiu aprender a cuidar mais e melhor dos meus vínculos, a poder ter espaços importantes para introspecção.
No entanto, tenho visto riscos significativos: entrei em relações competitivas com outros homens, vi como era fácil ter mais mulheres ao meu redor para se apoiar e receber cuidados, ou vi como a pressão por uma sexualidade estimulante interviu na forma como abordei meus relacionamentos e minha posição como um “homem não-monogâmico”.
Isto levou a muitas dores de cabeça. Portanto, convido-os a refletir sobre como a masculinidade desempenha um papel em sua vida de uma forma ou de outra. Seja a maneira como você estabelece vínculos, como cuida das pessoas em sua vida ou o interesse que você encontra em ter este tipo de formato. O gênero, em última análise, é uma bagagem que todos nós carregamos e é melhor tornar consciencia de sua carga, para que possamos começar a trabalhar nela.
Como a masculinidade desempenha um papel em sua vida e você acha que ela afeta a maneira como você experimenta sua sexualidade ou seus relacionamentos?
Essa é uma tradução. O texto original pode ser encontrado em JoyClub