A Anarquia Relacional não te impede de identificar um relacionamento com qualquer rótulo que desejar: ficante, parceira, moranguinho, mamolada ou o que for. O problema é que os anarquistas relacionais não enxergam esses rótulos da mesma forma que a sociedade.
A convenção é a de que a parceria (ou qualquer rótulo que você escolha atribuir ao seu namoro) significa “duas pessoas que compartilham um conjunto específico de atividades e sentimentos”. Portanto, se você tenta ter relacionamentos artesanais, o uso da palavra é uma armadilha: no momento em que você apresenta alguém na sociedade sob um rótulo tão brutalmente capturado pelo imaginário coletivo, pelo menos duas coisas acontecem:
- Você sabe que na mente do interlocutor foi criada uma imagem de como é sua relação (e até mesmo de como são as relações para você) que é totalmente imprecisa.
- Ela gera uma força na direção oposta àquela que você deseja avançar: o conforto de evitar dar mil explicações se transforma em “Me sinto pressionado a fazer as coisas da maneira que a sociedade espera que namorados façam”.
Tá, mas isso aí é só teoria ou afeta alguma coisa?
Afeta, e muito.
Quando me pedem para identificar meus relacionamentos, espera-se que eu seja capaz de categorizá-los em caixinhas relacionais. Se eu fizer isso, dou uma imagem distorcida do que cada relacionamento realmente é para mim. Existem relacionamentos que, de acordo com a norma, eu deveria definir como amizades, mas aos olhos da sociedade, uma amizade é inferior a, digamos, um namoro; então, eu não conseguiria passar a importância real deste relacionamento.
Por outro lado, identificar pessoas como parceiras/namoradas geralmente vai dar uma ideia de um relacionamento que não é de forma alguma do jeito que eu vivo ou quero viver e vão supor coisas que são falsas ou que eu rejeito. Eu precisaria entrar em detalhes em cada conversa e especificar o que compartilho com cada um e o que essas coisas significam para mim.
Rótulos e Binarismo
Relacionamentos, pra mim, são todos os relacionamentos: familiares, de amizade, trabalho, etc. Só que, se eu começo a falar sobre relacionamentos nestes termos e não especificar, todos presumem que estou me referindo apenas a relacionamentos sexuais/românticos/afetivos.
Os padrões usados para “definir quem somos”, “começar um relacionamento”, “querer ficar” ou “construir um relacionamento” não podem ser entendidos da mesma forma sob um paradigma da ausência do conceito de parceria/casal. A sociedade buga, sério.
A necessidade de responder à pergunta “tão namorando” de forma binária – estamos namorando ou não estamos – pra mim não faz mais sentido. Faz mais sentido dizer se gosto ou não, se tenho ou não expectativas específicas para o futuro, que atividades gostaria de compartilhar com a pessoa, ou se sinto ou não algum tipo de atração (afetiva, romântica, sexual, intelectual…). E isso é um problema porque normalmente as pessoas precisam localizar as relações em um mapa que eu não quero usar pra me orientar, e quando eu puxo meu mapa e tento indicá-la, então é a outra pessoa que fica totalmente perdida.
Relacionamentos Orgânicos
Quando não precisamos aplicar uma classificação por tipo de relacionamento, o que resta são apenas as pessoas e as atividades e sentimentos que compartilhamos com elas. E com isso em mãos eu consigo identificar diferenças: se eu me sentir mais conectado com alguém, essa pessoa normalmente ocupará mais tempo e importância em minha vida. Ao meu ver, a Anarquia Relacional não visa negar a importância das diferentes pessoas em nossas vidas e nem dizer que todos os relacionamentos sejam iguais ou que estejam no mesmo nível.
A intenção é evitar que esta importância seja automaticamente atrelada a um rótulo e convertida em direitos ou privilégios. No Poliamor, por exemplo, não é incomum os parceiros terem acordos que limitem ou até mesmo proíbam que eles façam coisas com terceiros ou que os parceiros tem o direito de saber, dar uma opinião e autorizar coisas na vida um do outro. Isto é fazer uso de hierarquia e é válido pra muitas pessoas poliamoristas, mas não tem lugar na Anarquia Relacional.
Muitas pessoas dizem “mas os anarquistas relacionais ainda têm relacionamentos na forma típica de um casal, ou que se apresentam em público como um casal, se consideram um casal, etc.
Sim, verdade. Eu mesmo gosto do rótulo de namoro, acho fofo. Não precisamos ter total coerência entre o que pensamos e o que fazemos para validar nosso pensamento. Consulta lá no Manifesto da Anarquia Relacional (o legal da A.R é que o Manifesto simplesmente possui todas as respostas pra qualquer coisa acerca da filosofia) – o sexto fundamento é: finja até conseguir.